terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Um Dia de Chuva.

Acordei no meio da madrugada
Com gotas de chuva escapando
Pela brecha da janela aberta
E lavando meu rosto gelado pelo frio daquela hora
Na primeira noite de poucas
Em que a insônia não me visitou
E enfim me deixou dormir mais cedo
E mais cedo acordei pra um dia de chuva

Enquanto lia o jornal da semana passada
A chuva ainda rolava solta na rua, na lua ainda no céu
E foi assim enquanto pegava o ônibus
E enquanto descia dele
Ao som de "Champagne Supernova" do Oasis
Pra pintar nas telas daquelas moças
Daquelas poucas em que ainda falo

Cansado de andar na margem das coisas
Pra chuva não me banhar
Coloquei  meu chinelo severino
Ou de Jesus Cristo como dizem
Dentro de uma sacola doada
Por uma velha sorridente que nem vou esquecer
Assim como um retirante bruto
Desses caipiras no meio da cidade grande
Me pus a andar naquele temporal
Descalço, calça branca, sacola na mão
Mochila pesada guardando um bocado de discos do Chico

Andava lento, como quem tivesse debaixo de sol
Sendo olhado por todos que tinham medo da chuva fria
E naquela caminhada de alguns minutos
Todas as horas da minha vida me sorriram
E passaram velozes na minha cabeça
Saudade de lugares, de amigos, de parentes
Saudade de mim mesmo, saudade de quem nunca vi
De pessoas que ainda não conheci
Lembrança do meu primeiro livro, "O Menino de Brodósqui"
Velho Haroldo me mostrou o eterno Portinari
E num cenário bonito minha vida em minutos
Assim como minha mãe falava de Renato Russo

Minhas lágrimas beijavam as gotas daquela chuva
E transavam em grande harmonia e simetria
Virando uma só no ponto de fuga do queixo
E enquanto andava, ali, na tempestade
Ventania forte balançava minha "bolsa de mandiga"
E via o brilho do colar
E que aquilo podia ser Deus ou Zeus
Ou o universo nos pequenos detalhes

A chuva me banhou como nenhuma água fez
Lavou a pele da minha alma
E me entregou algo que não tem explicação
Acho que me trouxe a mudança
Revigorou o leonino manso
Tranquilizou um corpo inquieto por dentro
E despertou mais sensibilidade ao olhar o mundo
E entender que mesmo um vagabundo tem seu valor
Então, vamos nos molhar nessa chuva que transforma
Esquecer a água pra se afogar
Quando tudo pode tá perdido
Deixem a janela meio aberta em um dia de chuva
E tudo pode começar a mudar.

6 comentários:

  1. Temos que complicar tanto as coisas, quando só a água da chuva basta.
    Incrivelmente, sua chuva lavou também minh'alma.
    :D haha

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  2. "É de lágrima, que faço o mar pra navegar..." Uma vez li que a água é a forma em que a se manifesta a forma feminina de Deus, e nesse mesmo livro fala que "Só entendemos direito o milagre da vida quando deixamos que o inesperado aconteça." Acredito que tenha sido essa a conexão que vc fez! Em que Deus se mafifestou em forma de poesia no teu ser! Um texto digno dos meus rios virem à tona. :)

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  3. não sei nem o que dizer. quando digerir tudo te digo as borbulhas. sensacional!

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  4. provavelmente seu melhor. lavou a minha alma também, vou dizer

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  5. imaginei a cena toda. tá incrível issaê, bicho!

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  6. Seus blog é maravilhoso, já pensou em criar um tumblr?

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