sexta-feira, 25 de março de 2011

Roda Da Fortuna.


Somos etapas, somos fases
Somos o que tempo deixa
E o que levamos dele
Somos o mau e o bem da vida
Carregamos odios e amores escondidos
Deixamos pedaços de nós
No corpo dos outros
Assim como levamos um tanto
Somos lascas de diamantes
E restos de carvão em brasa
Somos egoístas por natureza
E calamos nossos defeitos
Revelando sempre o melhor ângulo
Somos tudo, inclusive a perfeição
Somos a palavra, a evolução
Somos a cultura, a contracultura, a tortura
Somos as guerras passadas
E as guerras futuras
Somos o tempo que corre
Que volta e que estanca
Somos o que o vento leva
E o que o destino trás
A roda da fortuna
Somos a confusão das coisas
Somos as coisas
Somos a metamorfose ambulante de Raul
Somos variantes
Somos berros no meio da noite
Vidros quebrados
Remendos de tecidos
Somos o beijo do despertar
Somos a fúria do sexo
E a delicadeza do olhar
Somos o tudo do nada
Somos metade de nós mesmo
Somos todo mundo em silêncio
E em silêncio também pensamos em não ser
O que somos na multidão
Somos as mãos que esganam
As mãos que acariciam
Somos o coração que pulsa
O coração que calado chora
Nunca somos os mesmos
Não enquanto vivermos.

Sonho Sertanejo.

Nos bares dos postos de gasolina
É o calor, o ardor, o fogo da pinga
Escorrendo pela garganta dos rapazes
Sorrisos das moças nas mesas ao lado
E mais cachaça rasgando goelas à baixo
Amigos com passagens pra lugar algum
Viajantes feito as poeiras da terra do chão
Acham mais amigos nas caronas de caminhão
Caminhonete com bela dama, com velho amigo cantor
E ganham estradas desconhecidas
Ao som de Raul Seixas e Bob Dylan
E cobertos pelos mistérios das estrelas
Com conversas jogas à frente das fogueiras
E sonhos emprestados de um pros outros
Realizados em bando
Protegidos pelos cantos do sertão.

domingo, 20 de março de 2011

Mamefusolatos.

Somos todos negros, brancos e amarelos
Com marcas herdadas nos traços mais fortes
Sangue misturado pelo tempo
E almas livres como o vento
Que leva a dor e a desfolha
Que leva a semente e a faz brotar
Somos todos da mesma raça
A raça de saber amar
E reconhecer no diferente o espelho da vida
A luneta curiosa que enxerga além da pele
Somos feitos dos feitos dos outros
Da pura mistura do destino
Que desfez os caminhos de sofrimento
Agregou o diferente nos olhos
Porque ninguém mais é um só
Somos todos pedaços dos outros
E únicos por sermos assim
E apesar de nossas mãos ainda torturarem
Nosso coração escondido chora
Porque surgimos da mesma carne
E sentimos em silêncio a dor de quem sofre.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Amnésia.

As vezes eu amo tanto
Que esqueço que estou ferido por tanto amar
Outras vezes tiro férias do mundo
E esqueço de voltar
Vivendo no esquecimento das coisas
Das coisas que queria lembrar
Minha memória se acostumou em falhar de tanto fingir esquecer
Vou assim me jogando nas falsas recordações
Tentando lembrar da voz dela nos meus ouvidos
Esquecidos como os vitrais daquela velha janela
Que de velhice ficaram opacos
Feito a memória do gosto dela na minha boca
E o tempo assim vai passando e apagando minhas lembranças
Desfolhando as fotografias guardadas
Rasgando a memória do mundo em fim
Criando simples situações pra ver se acredito
Inventado um momento que nem sei se existiu
Tentando iluminar a memória que teima em findar em mim.

terça-feira, 15 de março de 2011

Amor e Psiquê.

Era o amor em toda condição de existência
Beleza escondida com o poder de fazer amar
E apaixonar corações desconhecidos
Até que todo o amor de suas setas acabou
Quando à uma alma o confiou
Uma bela alma que nunca se deixou amar
E se deixava à sorte do destino
Quando num sopro clandestino a ele também se entregou
Tendo a face desse amor segregada
E mesmo com o amor aos seus pés
A psiquê atacou-lhe a inquieta alma
Num impulso sem nexo, uma chaga na confiança
Torturou, trucidou e feriu o puro amor
E a psiquê em retrocesso
Com seu coração que depois chorou
O arrependimento foi pra perto
E um vazio no peito, feito deserto, visitou-lhe e abraçou-lhe a alma
E em busca do amor se pós em vagar no mundo
Experimentando outras carnes, outros sopros de alma
Sendo uma pisquê apaixonada
Uma loucura sempre desconfiada, sentindo grande dor
E esperando o fado de um amor inventado
Até achar o verdadeiro ladrão do seu coração.

sábado, 12 de março de 2011

Carta de Índia.

Tento marcar em palavras o que o vento sopra nos meus ouvidos
O que o tempo não desfez e deixou revelado em fim
Então, escrevo cartas para o futuro incerto
Algumas extraviam-se pelo caminho
Outras perdem-se dentro de mim
Mas um dia chego no fim de ver as coisas acontecendo
Diante dos meus olhos pernoitados
E dos meus dedos treinados 
Que não cansam de escrever cartas pra desconhecidos
Pra amigos queridos e parentes falecidos
Que olham pra mim do fim do céu
Que me convidam pra ir ao mar
Pra ter o que dizer, pra ter o que contar
Depois que eu voltar do fundo sem fundo de mim.

Coração de Pano.

Veio do pano lá do serrado
Cabelo cacheado feito de trapo
Rosto maltratado pelo relógio
Sentimento gasto pelo tempo
Novelos jogados ao vento
E um lugar maltrapilho pra chorar
Molhou a retina
Sujou a água cristalina
Secou o mar pra virar sertão
Vendeu as flores das chitas
Por perder seu coração
E rasgou o tecido da pele
Revelou suas emendas
Desfez o laço vermelho de cetim
Depois embaraçou a lã do carretel
Despediu-se de seu belo corcel
Rasgou sua renda importada
Parou de querer amar
De tentar se encontrar
E isolou-se num velho baú de madeira de lei
Cobriu-se com veludo, feito esposa de rei
Dormiu durante toda a vida
Fantasiando como quem sonha.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Lugar Incerto.

Fico e tento
Meio esperto no destino reto
Hoje não tem pala certa
No lugar perdido, incerto
No carro de teto aberto no meio da rua
Vida em céu deserto
De quem olha a lua
Em versos.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Flores no Deserto.

Caiu no concreto e revelou-se
Despertou a retina
Veio ao mundo sem pedir licença
E em silêncio foi ganhando voz
Feito flores no deserto
Se tornou raro, malandro caro
Um malandro do Brasil
Mapa pra qualquer lugar
Que tem no destino as respostas certas
É dono da terra e das palavras
É Loki, é hippie, é tudo ou quase tudo o que quer
Tem a vida no cangote, sujeito de sorte ele é
Tem o céu, a água e o mar desenhados nos olhos
Jeito transcendente aquele bicho tem
E feliz é a forma que se dirigem ao nome dele
É flores, é concreto, é mar e sertão
É leão, é leonino, é o meio-fio da luz do astro-rei
É o início, o fim e o meio de nós
Repitidamente uma nova forma de ser.

terça-feira, 1 de março de 2011

Veneno em Mim.

No mundo há muitas armadilhas
E uma delas é você ou você é todas elas
Bueiro de cobras
Escorpião de Ártemis
Veneno da serpente
Que de repente me marca a pele
Feito tatuagem negra
Viúva negra, sem você me desfaço
E perfaço em pensamento o caminho do pecado
Do seu corpo mulato
Que malvado me desfolha a alma
E me cega com seu olhar seguro
Uma cegueira surda feito sua fala

Não me importo de viver na sua garra
De comer o pão que você amassou
Serpente, você me conquistou
Mesmo sofrendo em stéreo
Do vivo mistério em que você se transformou
Ainda te quero veneno no meu sangue
O embaçado no vidro do carro
O movimento de tudo ou quase tudo no meu corpo
Porque isso é repetidamente nosso
Isso é veneno seu, é assim
Você tem que existir
Pra eu poder sofrer
Você é veneno em mim.